A crise ambiental e a falta de espiritualidade - por Fabio Cavazotti
''A crise do meio ambiente não é apenas da natureza, mas sobretudo da pessoa humana. É uma crise apocalíptica da vida no planeta''. Essas duas frases compõem o prefácio do livro ''Doutrina Ecológica da Criação'' - de J. Moltmann -, que o professor de teologia e reverendo da Igreja Presbiteriana Filadélfia, Silas Dias Barbosa, tem em mãos ao me receber na portaria. Ele prefere conversar no jardim, a céu aberto, e me conduz a um banco localizado sob as árvores do conjunto de prédios onde mora, na cidade de Londrina, no norte do estado do Paraná.
Sua aparência e seus modos indicam uma compatibilidade natural com seus dois principais temas: o meio ambiente e a espiritualidade. Mestre em teologia pela Universidade de Genebra e doutorando da Universidade Aberta de Amsterdã, o professor fala com intensa vibração sobre um dos mais novos ramos da teologia: a ecoteologia - que traz a idéia de que o estado de ''desintegração'' do meio ambiente reflete a falta de espiritualidade do ser humano.
A seguir, os principais trechos da entrevista concedida pelo reverendo Silas Barbosa:
O que é a ecoteologia?
É uma preocupação com o estudo do meio ambiente ligado à verdadeira espiritualidade. Falar de Deus é falar do Deus criador e da criação. E falar da criação é falar do teatro da glória de Deus. A criação é um teatro onde Deus queria expressar sua glória, e colocou o ser humano para cuidar dessa terra. A grande questão é essa: qual o lugar da criação na teologia, qual o propósito da criação? A ecoteologia trabalha uma frase muito boa: ''quando Deus criou os céus e a terra, viu Deus que era muito bom'' - Ele gostou da sua criação. Acho que essa é a base de tudo. O outro ponto é que a criatura foi chamada para cuidar dessa criação. Em Gênesis aparece ''dominai sobre os peixes'', mas como um domínio responsável. Era um domínio para cultivar, não para destruir. E a ecoteologia mostra que, quando você cuida bem da criação, está também glorificando e dignificando o Criador. Isso é tratar a criação com dignidade.
Como surgiu esse ramo da teologia?
Ele começa na Europa, Estados Unidos e Índia. Estudei em Genebra, que é uma cidade onde as igrejas de todo o mundo têm uma sede. Então, os cursos de lá não estão preocupados apenas com a religião, mas com a Terra. Hoje, falar do ecumênico é falar do planeta. Por exemplo, no âmbito da ONU está se discutindo a elaboração da Carta da Terra, que será uma declaração dos direitos fundamentais do planeta - a exemplo da Declaração dos Direitos Humanos. No dia em que for definida, a Carta será uma declaração mundial do meio ambiente e dos direitos da Terra, e qualquer coisa que você fizer contra o planeta se tornará ilegal. A ecoteologia tira um pouco essa idéia de que a espiritualidade está apenas no terceiro andar: a espiritualidade genuína está ligada à vida. O planeta Terra é a casa da humanidade e temos de cuidar dele como uma casa comum. A falta de preocupação com a Terra mostra falta de amor ao próximo, e a falta de amor ao próximo significa falta de amor a Deus. Então, à luz dessa teologia, quanto melhor estivermos na relação com o criador, teremos também uma melhor relação com o próximo e com a criação.
Isso indica que os problemas do meio ambiente refletem uma falta de espiritualidade da humanidade?
Acredito que sim, está refletindo a falta de espiritualidade e a alienação do ser humano consigo mesmo e com a natureza. A alienação é você estar desligado até de si mesmo. Se não cuido do meio ambiente, não estou cuidando do meu próprio corpo - porque meu corpo tem um espaço para ser e para existir. Uma espiritualidade genuinamente bíblica passa pela integridade da vida em todas as dimensões. Vamos pegar o caso do mestre dos mestres, Jesus, que disse: ''olhai para os lírios do campo''. Quer dizer, ele era alguém que olhava para a própria natureza e aprendia com ela. Acho que a mensagem final disso hoje é que a gente precisa unir todas as forças para lutar a favor da vida. A vida é nosso bem maior, o ambiente e a criação são nossa casa comum.
Na história da teologia, quais as passagens mais significativas sobre o meio ambiente?
Os pais da Igreja tinham uma preocupação com a totalidade da vida. Naquele tempo a teologia era chamada de sabedoria. Depois, a teologia passou muito tempo só no âmbito do religioso, como se o homem fosse apenas alma. Durante o racionalismo, que passou pelo iluminismo, destacou-se o aspecto corpo, o homem racionalista. Já no fim do século XX percebemos que o homem não é só corpo, mas também um ser social. E a descoberta atual é de que o homem não é apenas um ser social, mas um ser que faz parte do meio ambiente, do 'eco'. Então, hoje podemos dizer que o ser humano é um ser bio-psico-sócio-espiritual-ecológico. Essa é a totalidade do ser humano. Como a teologia tem a ver com o ser humano integral, parece-me que essa será a grande teologia do século XXI.